Sem tempo hábil para criar, durante a tramitação na Câmara, uma nova fonte de recursos para a Saúde dentro da Emenda 29 - que regulamenta os percentuais mínimos a serem investidos no setor -, o governo escolheu o Senado como o campo de batalha onde se desenrolará a discussão sobre um possível novo imposto. Nos moldes da extinta Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), o tributo seria a solução dos sonhos, acalentada pelo Palácio do Planalto para suprir a carência por verbas no setor, que será consideravelmente aumentada com a provável aprovação da regulamentação do texto.
Na dura realidade do plenário, contudo, a tarefa será árdua. Levantamento feito pelo Correio com 59 dos 81 senadores mostra que, nesse momento, 45 parlamentares - maioria absoluta dos integrantes da Casa - são contrários à criação de mais um imposto.
Apenas oito senadores defendem a ideia do novo tributo e seis declaram que vão esperar o resultado da votação na Câmara ou a orientação do governo antes de definir por qualquer posição (veja a opinião de cada um no quadro abaixo).
"Está em jogo uma necessidade de financiamento de R$ 60 bilhões ao ano", diz o presidente do Conselho Nacional das Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), Antônio Carlos Figueiredo Nardi, defensor da criação de uma fonte de recursos específica para o setor.
Os números mostram que o maior desafio para o governo será encontrar uma "barriga de aluguel" para sua proposta. As declarações dos senadores deixam transparecer que o principal empecilho para a criação de um tributo, no momento, é a imagem negativa da medida no bolso do eleitorado, a pouco mais de um ano das eleições municipais.
"Todo o esforço tem que ser feito para que não aumente a carga tributária", diz o senador Jorge Viana (PT-AC). Para uma grande parte dos entrevistados, uma saída viável seria a elevação dos tributos incidentes sobre bebidas alcoólicas e cigarros, dois itens cujo consumo em excesso está ligado a problemas de saúde. Por isso, na visão de alguns parlamentares, nada mais justo que esses setores contribuam para atenuar os males que eles próprios provocam.
"Beber não é algo obrigatório, é uma opção, tanto quanto fumar. A criação de um imposto não encontra espaço no Senado, neste momento", vaticina o senador Eunício Oliveira (PMDB-CE). A medida, no fim das contas, também elevaria a carga tributária. Afinal, é um aumento de imposto. Mas encerra um discurso politicamente correto, mais palatável para o eleitor e mais fácil de ser defendido nos palanques eleitorais.
Arrecadação
As propostas, contudo, são variadas. Além da taxação de bebidas e cigarros, alguns defendem que uma parcela ainda não definida dos recursos do DPVAT - seguro pago a vítimas de acidentes de trânsito - seja revertida para o setor. Outros parlamentares acham que uma saída seria a tributação de grandes fortunas. Há inclusive aqueles que defendem uma alternativa polêmica e tão impopular quanto a criação de um imposto: a legalização dos bingos no país.
Casa que representa o jogo de interesses das unidades da Federação, o Senado está diante de sinais contraditórios dos governadores, muitos dos quais também relutam em abraçar a criação de um tributo. A aposta do Planalto é de que eles assumirão o papel de pressionar os congressistas a embutir na regulamentação da Emenda 29 a nova fonte de recursos para a saúde.
O governo federal vende a ideia de que está em uma situação confortável na discussão, porque teria cumprido a determinação da lei de reajustar anualmente o volume de verba destinada à saúde com base na variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB). Mas já deixou claro para o parlamento que, se não houver a definição da origem dos recursos adicionais para o setor, tende a enterrar a regulamentação da emenda.
De acordo com Nardi, são os governos estaduais que enfrentam os maiores problemas para cumprir a regra que os obriga a destinar 10% de sua arrecadação para o setor. "Ao menos 13 estados não investem o suficiente. Ao passo que acima de 90% dos municípios investem o preconizado pela emenda", afirma o presidente do Conasems.
Na prática, gastos em áreas como saneamento, pagamento de pessoal e até merenda escolar são usados com frequência para maquiar o volume de recursos destinados por governos estaduais para o setor.
O professor de finanças públicas da Universidade de Brasília (UnB) José Matias Pereira afirma que o maior problema do financiamento da saúde é a má gestão dos recursos destinados para a área.
"A ideia de ressuscitar a CPMF na forma de um outro tributo é totalmente descabida", diz o especialista. "A dificuldade de se encontrar quem defenda abertamente a criação de um tributo no Congresso é um reflexo da pressão social. O eleitorado está deixando claro que não está mais disposto a tolerar nem os problemas de gestão na saúde, nem tampouco novos impostos."
O que está em jogo
R$ 222 bilhões: total arrecadado pelo governo com a CPMF entre 1993 e 2007. As alíquotas variaram de 0,2% a 0,38%.
R$ 60 bilhões: estimativa do financiamento anual necessário para bancar a regulamentação da Emenda 29, que estabelece percentuais mínimos a serem investidos na Saúde pela União, estados e municípios.
Pressão no Congresso
O Palácio do Planalto espera que os governadores pressionem o Congresso para encontrar uma fonte de financiamento que garanta os recursos para a regulamentação da Emenda 29. Na visão do governo, a situação hoje é diferente de 2007, quando o Senado derrubou a CPMF (leia Memória abaixo).
Naquela época, apesar da mobilização de alguns administradores estaduais a favor da manutenção do imposto, o maior impacto pela diminuição na arrecadação era nos cofres federais, já que a contribuição servia, em parte, para assegurar a manutenção da meta de superavit primário.
Agora, o cenário é diferente. Financeiramente falando, a aprovação da regulamentação da Emenda 29 pouco altera o caixa da União. O governo federal já aplica o volume de recursos previstos pela Constituição Federal %u2014 reajuste orçamentário levando em conta o PIB nominal (crescimento da economia mais inflação do ano anterior).
O maior peso incidirá, de fato, sobre o caixa dos governadores. Os estados, pela regulamentação, deverão destinar 10% de sua arrecadação para investimentos exclusivos em Saúde. No caso dos municípios, este percentual é de 15%, também praticamente cumprido. O gargalo está, de fato, nos estados. Por isso, a pressão do Planalto para que eles debatam com o Congresso fontes de financiamento para o setor.
Apesar de Dilma estar preocupada com a questão fiscal, ela também está incomodada com os problemas que se acumulam na Saúde. Durante a campanha presidencial, ela sempre bateu na tecla do subfinanciamento, mas, sobretudo, defendeu que havia uma problema de gestão na área. No início do governo, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, firmou uma série de parcerias com o Instituto de Desenvolvimento Gerencial (INDG), ligado ao empresário Jorge Gerdau Johannpeter.
Nessa parceria, quatro frentes foram estabelecidas como prioritárias: aumentar a execução do PAC Funasa, como é chamado, estimado em R$1 bilhão; estabelecer um novo sistema de logística de compras para a pasta; rever as diretrizes gerenciais e os níveis de governança da agência; e implementar nos hospitais federais o mesmo nível de excelência do Hospital Moinho dos Ventos, do Rio Grande do Sul.
A presidente também está de olho no impacto político dessa questão. A Saúde, ao lado da Segurança Pública, são os setores mais mal avaliados em qualquer pesquisa de opinião pública. De acordo com dados da mais recente pesquisa do CNI/Ibope, a Saúde é a segunda pior avaliação do governo Dilma, perdendo apenas para a alta carga tributária brasileira. (Fonte: Correio Braziliense)
Opinião de cada um - o que pensam os senadores sobre um novo tributo na área de Saúde: